quinta-feira, 21 de maio de 2009

A menina Télica (conto)

Télica acordou agitada nesta manhã de outono. Seus cabelos desalinhados e a calça de moletom azul surrada que em nada combina com a blusa listrada cheia de furinhos, compõem o visual caquético daquela menina mal cuidada. Menina? Eu a chamei de menina, mas Télica já deve beirar seus 35 anos. É que sua aparência não ajuda muito. Há quem a dê quase 50 anos.


Acordou e foi direto pôr a água para esquentar no fogão à lenha: uma chaleira para tomar banho e outra para fazer café. Na Fazenda do Cristal, a luz elétrica não chegou para todos. Por incrível que pareça, o lampião ainda é a companhia nas noites frias.Antes mesmo de a água ferver, dona Almerinda gritava lá do quarto.


-Minha filha, onde está meu leite com rapadura?


-Calma mãezinha, já vou.


Largou o banho para depois, esquentou o leite, derreteu a rapadura e atendeu à mãe. Dona Almerinda já beirava os cem anos bem vividos. Sempre foi mulher ativa. Nunca estudou, mas o pouco que sabia, dividiu durante muitos anos com as crianças da roça. Ela era voluntária lá na sala da capelinha. Porém, depois que seu Paulo morreu, perdeu um pouco o gosto pela vida. Adoeceu, parou de andar e agora depende da ajuda de Télica.


Toma café e banho rapidamente. Calça as botas e vai para a lida. De lá sai às dez horas, corre em casa, esquenta o almoço, come e leva para a mãe. Volta para o batente e as quatro da tarde já esta em casa, exausta. Pensam que o serviço acabou? É hora de preparar a janta com o resto do almoço e deixar pronta a comida do dia seguinte. É assim todos os dias.


Quando chega o final de semana, a menina-jovem senhora acorda cedo e vai para a igreja orar. Quem sabe não arranja um casamento? Apesar da idade, ela não perde as esperanças.


Télica se apaixonou uma vez quando era bem nova. Tinha uns treze anos. O rapaz era bem mais velho. Já beirava os 26.Ele até que se interessou por ela também, mas um dia deu uma bobeira e uma mulher da cidade ficou grávida dele. Foi quando teve que se casar e se esquecer de Télica para sempre.


Daí para a frente, ela nunca mais se interessou por ninguém. Dedica sua vidinha ao trabalho, à mãe doente e às orações.


Mas mal sabe ela que existe alguém muito interessado pela pobre. Todos os domingos ela é observada por Clóvis, um senhor aposentado e viúvo, que ajuda na celebração. É um homem de respeito, porém Télica nem desconfia e ele não tem coragem de se declarar.


É provável que nunca a menina-mulher, maltratada pelo tempo, venha a saber. Também não sei se teria coragem de se casar e deixar a mãe sozinha. Ou mesmo se a levasse para morar junto dela, será que Clóvis aceitaria? Ele é praticamente da idade de dona Almerinda. Talvez. Só o tempo dirá. Prometo que, se souber, também conto a vocês.



Por Taís Alves, numa tarde fria de outono

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