quinta-feira, 5 de novembro de 2015

DIA NACIONAL DA CULTURA

Mtº Marum Alexander

Hoje se comemora, em todo o Brasil, o Dia Nacional da Cultura.

O Dia Nacional da Cultura foi instituído por meio da Lei Federal nº 5.579, de 19 de maio de 1970, e celebra o nascimento de um dos mais importantes personagens da História do Brasil: Rui Barbosa, intelectual, jurista, político e jornalista, que nasceu em 5 de novembro de 1849. Como presidente da Academia Ubaense de Letras e como homem sempre voltado para as coisas da arte e da cultura, não posso me furtar a discorrer um pouco sobre este tema tão abrangente.

O binômio “arte-cultura” tem sido muitas vezes menosprezado pelo povo; e este tende a considerar a arte como um luxo e não como uma forma pura de manifestação do espírito criador de cada um, com sua sensibilidade própria e sua maneira característica de transmiti-la. A arte, na sua plenitude, busca a cultura como fim último.

Não considerada, entretanto, como um problema prioritário até há pouco tempo atrás, a cultura ficou bastante sacrificada em nosso país. Assim sendo, as nossas realizações artístico-culturais, com suas necessidades financeiras, mercado restrito, carência de mão-de-obra especializada, etc., vêm sendo, cada vez mais, sacrificadas pela criação entre nós de um círculo vicioso e constante: ou a permanência de nosso artista em condições de precária sobrevivência, ou o seu êxodo para outras terras, desfalcando culturalmente os nossos meios particularmente o de Minas Gerais, que é tido e havido como o maior manancial do país nesta área específica.

Dessa assertiva incontestável uma conclusão pode-se tirar: é preciso concentrar todos os esforços na aculturação da criança e do jovem brasileiros, pois neles é que está a base de todo o entendimento, sedimentação e difusão de uma verdadeira vida cultural futura. Em todos os países do mundo a criança é, antes de tudo, a preocupação maior de qualquer governo, porque nela devem, de fato, concentrar-se todos os esforços culturais e recreativos para transformá-la num futuro cidadão da Pátria, tranqüilo, ordenado, alegre e cioso, quando se tratar do dever maior da missão comum de servir à Nação, de contribuir, em todos os campos da cultura e da ciência, para o seu desenvolvimento, sua grandeza e sua união.

Já se tornou um axioma popular dizer-se que ‘com o sorriso de uma criança se constrói a felicidade do homem de amanhã’. No mundo de hoje, em que a lógica cada vez mais vai perdendo os seus direitos, surgiu, como profunda verdade, um sentimento novo: a preocupação da juventude com as coisas de sua época. O seu despertar, voltado para as riquezas arquitetônicas, sociais e culturais, pode ser considerado também como um autêntico nacionalismo.

Explorar, congregar, valorizar e difundir o potencial da juventude brasileira é, e será sempre, uma arte delicada e minuciosa, que muitos não conseguem realmente compreender.

A facilidade de transporte no mundo atual praticamente aboliu as fronteiras entre os homens de todas as raças. As viagens incessantes dos grandes mestres, as migrações dos criadores e teóricos que acompanham até mesmo os seus protetores em todas as direções, a emulação que se estabelece entre as diferentes nações, rivais em riqueza artística, cultural, fabril, cientifica ou arquitetônica, beneficiam o mundo com uma esplêndida descentralização.

Como resultado de estarem pondo em comum as suas aquisições, invenções e descobertas, de compararem as suas técnicas e de divulgarem os seus métodos, os homens – servindo de exemplo aos jovens – caminham para dar à sua linguagem um caráter de acentuada universalidade. Mais uma vez se verifica, assim, a permanência da lei que submete o gênio criador à servidão da matéria.

Assim é que também o Brasil moderno é um Brasil de jovens. Estamos entrando numa nova era em que os valores antigos são substituídos pelos novos, na busca de uma sociedade ideal. E esta sociedade se delineia cada vez mais, formada de elementos atuantes, cheios de vida. Eles estão aí, tomando conta de tudo com seu ar aparentemente desleixado, com suas roupas coloridas... As correntes de opiniões se formam para julgá-los: muitos condenam, muitos absolvem. E nós, que tomamos uma posição de cultura no contexto, como ficamos? Não, não é esta a sua verdadeira imagem, pois é muito simples verificar-se que, debaixo dessa enganosa postura, há muita estória para ser contada e, principalmente, muita coisa para ser imitada.

É como disse Pascal: “Toda vida humana não é mais que uma imagem da vida da humanidade inteira”. Em face disto, estaremos sempre lançando um apelo à nossa gente: cultivar e desenvolver cada vez mais a educação da criança brasileira, pelo exercício constante de todas as suas faculdades, a fim de torná-la mais apta para a vida, porque nela se resumem todas as esperanças futuras de nosso País.

No entanto, nunca é demais lembrar que a educação deve pretender formar a criança de uma maneira determinada. Se o fim da educação é distinto, compreende-se que os princípios pedagógicos possam variar; e ainda quando a finalidade fosse a mesma, os princípios da educação também poderiam ser distintos, se a época, a raça, o meio social e o caráter fossem diversos. E sabe-se também que no mesmo País e na mesma época os procedimentos educativos variam segundo se queira formar um indivíduo, desde a infância, capaz numa especialidade ou em outra.

Em todas as etapas da educação, entretanto, o ser humano necessita de sua inteligência, de sua vontade, de seu sentimento e de sua parte corporal; pois não se deve esquecer que a educação deve ser completa e simultânea em todos os aspectos, conjuntamente com a parte física. Não somente pela influência mútua que têm, como também porque estas separações científicas se referem a uma individualidade indivisível. Estamos todos de acordo em que a faculdade criativa é uma parte da educação, que dá à criança e ao jovem o poder adicional da sensibilidade — e que esta forma de cultura constitui parte legítima do trabalho escolar.

Por isso, as razões que geralmente se citam em favor da cultura abrangente, como parte da educação comum, são, principalmente, a de que ela funciona como matéria agradável para o descanso de outros estudos, como conhecimento que deve formar parte da educação geral; como meio de cultura estética, preventivo de um mau gosto generalizado; e, ainda, para descobrir nela valores ou disposições especiais que, no caso, devem ser estimuladas pelos pais e pelos mestres.

Como matéria agradável para o descanso de outros estudos (se é verdade que um trabalho serve de descanso a outro), a cultura abrangente, por sua natureza, será mais eficaz neste sentido que outra matéria qualquer.

Os esforços da cultura e da arte para descobrir a novas realidades sociais foram temporariamente inibidos pela burocracia; e mesmo hoje esses esforços estão sujeitos a sofrer eventual oposição burocrática.

A natureza problemática do estágio de transição em que vivemos, entretanto, tem causas mais profundas do que a simples interferência burocrática. A tarefa decisiva da cultura e da arte contemporâneas – a tarefa de representar a nova realidade através de meios de expressão adequados a ela – está intimamente ligada a outro problema do nosso tempo: o ingresso de milhões de pessoas na vida cultural.

Essa atitude de levar a arte a sério, o caminho que vai da arte ao homem – o caminho para uma arte intimamente vinculada ao gênero humano – não é o da distância mais curta entre um alto posto e uma organização menor ou maior. É um caminho necessariamente longo, que atravessa diversas e variadas experiências dos artistas e implica uma ampla e generosa educação gradual dos homens.

A própria formação cultural do mundo moderno passa por uma transformação radical, porque vivemos num outro tempo que exige outros caminhos. Não nos é permitido ignorar certas coisas. E o intelecto, por ser só nosso e pertencer sempre ao nosso tempo, nos induz a ir ao âmago das coisas para sondar o porquê e o para quê de tudo.

Daí Goethe ter dito que: “Aquilo que não compreendemos não nos pertence”.

Portanto, cultura é tudo isto: é saber, é conhecer, é desenvolver-se; é elevar-se, moral e espiritualmente; é compreender, é amar e até mesmo dedicar-se a uma ou mais manifestações da arte.

Cultura é o ato, o efeito ou o modo de cultivar algo e cultivar-se a si mesmo; é o desenvolvimento intelectual e físico do indivíduo. Sociologicamente, cultura é ainda o sistema de atitudes e modos de agir, em função dos costumes, das instituições, dos valores espirituais e materiais de uma sociedade. No sentido restrito, cultura é um desenvolvimento do estado intelectual, artístico ou científico, através do qual se revela, com um sentido humano, um esforço coletivo pela libertação do espírito.

Antes e acima de tudo, porém, o homem chamado ‘culto’ não é aquele que mais sabe ou mais se dedica a um determinado estudo – e sim aquele que é civilizado; o que procura adquirir conhecimentos abrangentes; o que respeita a individualidade alheia; o que transcende a mediocridade do mundo; o que ama realmente o próximo; o que contribui para um crescimento generalizado do meio em que vive e convive; o que é manso de espírito; o que releva as injustiças; o que perdoa aos incautos; o que dignifica o bem honesto; o que refreia e dosa as paixões intensificadas da alma; o que distribui pacificamente o que aprendeu; o que se porta com arrojo, mas com nobreza; o que não destrói; o que não prevarica; o que se cala nas horas certas; o que busca a união e a harmonia do todo universal; o que teme a Deus e verdadeiramente aplica os Seus mandamentos divinos; o que não se apega somente à sua mísera e curta existência terrena — numa palavra, o que concretiza ideais, pessoais ou coletivos, construindo algo de útil, agradável e duradouro para a posteridade e deixando marcas indeléveis no tempo, na memória e no coração da humanidade que lhe sobrevive.

“Todo homem”, diz Aristóteles, “é naturalmente desejoso de saber”; isto é, o desejo de saber é inato; esse desejo já se manifesta na criança pelos ‘por quês?’ e os ‘como?’ que ela não cessa de formular. É ele, o desejo de saber, o princípio das ciências, cujo fim primeiro não é o de fornecer ao homem os meios de agir sobre a natureza, mas, inicialmente, o de satisfazer sua natural curiosidade.

Se o desejo de saber é assim essencial ao homem, deve ser universal no tempo e no espaço. E é isto exatamente o que nos ensina a História. Não há povo, por mais atrasado que seja, em que não se manifeste nele este pendor natural do espírito, que é, por sua vez, tão antigo quanto a humanidade.

A necessidade de saber gera, de início, os chamados conhecimentos empíricos, que são o fruto do ato espontâneo do espírito, mas permanecem sendo conhecimentos imperfeitos, pois que lhes falta por vezes a objetividade e se formam ao acaso, por generalização prematura, sem ordem nem método.

Tais são, por exemplo, as receitas meteorológicas do camponês, os provérbios e as máximas que resumem as observações correntes sobre o homem e suas paixões, etc.

Estes conhecimentos empíricos não devem ser desprezados. Ao contrário: eles se constituem no primeiro degrau da ciência, que só faz por aperfeiçoar os processos que o empirismo emprega para adquirir seus conhecimentos.

O conhecimento científico visa a substituir o empirismo por conhecimentos certos, gerais e metódicos, isto é, por verdades válidas para todos os casos, em todos os tempos e lugares – verdades estas ligadas entre si por suas causas e princípios.

Cultura é, portanto, a forma universal e eterna da sabedoria, uma vez que, considerando as causas mais altas do real e os princípios absolutamente primeiros de todo o saber, ela domina de certa maneira o concreto e o abstrato, o real e o irreal, o prazer e a dor, o empirismo e a praticidade, o bem-fazer e o bem-agir, o espírito e a matéria, o ato criativo e a ação mecânica, a tudo unificando e a tudo dirigindo para seu supremo fim comum.

Mas este conjunto de sabedorias se, por um lado, obedece a seu próprio dinamismo, aspira, por outro, a ultrapassar-se a si mesmo; e, desse ponto de vista, experimenta um sentimento de frustração. Porque, apesar de toda a sua força propulsora, a cultura que o saber nos traz dependerá sempre de uma força maior, de um efeito mais pleno, de uma luz superabundante e supereminente a nós apenas legada por Deus, através do que comumente chamamos de “talento”. E o talento, como fruto de uma revelação divina, é propriamente aquele que, permanecendo constante e irrestritamente submetido ao critério da evidência racional, admite e evoca esse conforto subjetivo da inteligência que resulta da virtude infusa da fé e, confirmando de cima as certezas racionais fundamentais, confere-nos uma luz e uma força particulares, transmitindo-nos a emoção necessária e iluminando, através dos séculos e em benefício da razão, todos os campos do saber da humanidade.

Ubá, MG, 05 de novembro de 2015.

Nenhum comentário: